terça-feira, 27 de novembro de 2007

Comentário à Proposta do PSD para Alteração do Sistema Eleitoral Para a Assembleia da República

1. O Sistema Eleitoral Português

No que respeita às eleições para a Assembleia da República (AR), o sistema utilizado é o de Representação Proporcional (RP) segundo a fórmula da média mais alta de Hondt para calcular a forma como são contabilizados os votos para a respectiva conversão em mandatos parlamentares (isto é, o número de votos a dividir por 1, 2, 3 e assim sucessivamente). O País encontra-se dividido em 22 círculos eleitorais: 18 círculos que correspondem aos Distritos do Continente, 2 círculos correspondentes às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e mais 2 outros círculos correspondentes aos da Emigração, o da Europa e o “Resto do Mundo”. O número de mandatos a atribuir a cada um destes círculos é definido pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) cerca de aproximadamente três meses antes de cada acto eleitoral, em que as únicas excepções são os círculos da emigração, aos quais, e segundo legislação em vigor, são atribuídos dois mandatos a cada um dos dois círculos. Essa distribuição prévia dos mandatos tem por base o número de cidadãos eleitores inscritos nos cadernos do recenseamento eleitoral e é feita segundo o método da média mais alta de Hondt, sendo que, e de acordo com a constituição e a lei eleitoral, nenhum círculo pode eleger menos de dois mandatos.
Esta forma de divisão do País em 22 círculos resulta que 502.522 pessoas que foram votar nas últimas eleições legislativas (em 2005) não se sintam representados, na medida que os seus votos não contaram para nada, ou seja, se tivessem ficado em casa e não tivessem ido votar o resultado seria o mesmo. O sistema eleitoral deixou assim de fora 8,74% dos eleitores que ficaram sem representação, conforme poderá ser verificado no quadro anexo:
A questão que imediatamente se coloca é: será isto justo? Será isto democrático? Conforme se pode verificar no Quadro acima, a situação “mais grave” ocorreu no Distrito de Portalegre, onde 42,80% dos eleitores viram o seu voto desperdiçado, não contar para nada, ou seja, quase metade das pessoas que foram votar. De seguida aparecem os Distritos de Évora (27,17%), Faro (22,74%) e Beja (22,70%). São de factos valores muito elevados pois estamos a falar de pessoas que foram efectivamente votar e não na percentagem de eleitores.

2. As Intenções do PSD

O PSD (e também o PS), de há uns anos para cá, têm manifestado o seu desejo de alterar o sistema eleitoral para a AR, facto que irá obviamente influenciar a representação dos diversos partidos no Parlamento bem como a formação do Governo. Nos últimos meses do ano de 2006 e muito recentemente (Maio/2007), esse desejo, essa intenção, tem sido cada vez mais notória e, ambos os partidos, têm falado aos órgãos de comunicação social nalgumas propostas se bem que não definitivas. Na minha opinião, é uma espécie de “apalpar terreno” para aferir qual a opinião pública sobre esta matéria.
Finalmente, no final do mês de Junho, o PSD concretizou esse conjunto de intenções e apresentou uma proposta de alteração da lei eleitoral, a qual considero perfeitamente “tosca” na medida em que propõe a criação de círculos uninominais mas não define quais, e ao mesmo tempo confusa pois não explica bem o sistema de duplo voto.
No entanto, o objectivo desta proposta é tão-somente contribuir para que os pequenos partidos vão tendo cada vez menos representação no parlamento e o PSD possa beneficiar com isso (embora também o PS) mas muito mais o PSD. E porquê? Porque em primeiro lugar o PSD governa a maioria das autarquias e tem estruturas locais fortíssimas sendo assim expectável ganhar a maioria dos círculos uninominais que viessem a ser criados; em segundo lugar, ao propor a criação de um círculo nacional com 70 deputados aumenta a proporcionalidade do PSD em relação ao PS (caso obtenha menos votos tal como aconteceu em 2005) e reduz à insignificância os pequenos partidos, aos quais será quase impossível eleger deputados nos círculos uninominais elegendo apenas no círculo nacional. O quadro que apresento de seguida ilustra isso mesmo:

Isto resumido, traduz-se numa clara intenção do PSD em tentar eliminar, quase na totalidade, os outros três partidos (ou coligação de partidos) do sistema político-partidário e fazer com que nos círculos uninominais (onde só um candidato é eleito) o eleitorado dos outros partidos se veja assim “obrigado” a votar PSD ou PS, caso não queiram ver o seu voto desperdiçado.
Pretendo apenas, com este artigo, alertar a opinião pública bem como os militantes e dirigentes dos partidos mais pequenos para a possibilidade dos dois maiores partidos chegarem a um acordo para alteração do sistema eleitoral, que prejudique de forma clara a representatividade de uma boa parte da população portuguesa.
O que está em causa com a diminuição do número de deputados é que a desproporcionalidade aumenta assim significativamente e o número de eleitores não representados também. Se acrescentarmos a isto a criação de círculos uninominais, então a desproporcionalidade e o número de eleitores não representados aumentará de forma brutal pois, como se sabe, só um candidato ganha nesses círculos e todos os outros votos são desperdiçados, facto que poderá atirar a abstenção para níveis elevadíssimos nunca vistos e contribuir para um voltar de costas ao sistema político por parte dos eleitores.
Acresce que, com a criação de círculos uninominais, vai aumentar a confusão relativamente à representatividade dos deputados. A Constituição é explícita quando refere que um deputado representa o interesse do País. Se actualmente existe confusão (e todos se recordam do passado recente da questão do “Orçamento de Estado do queijo limeano”), então no futuro passaremos a ter mais de uma centena de pessoas (deputados) que representam interesses regionais e nacionais, que nem sempre são compatíveis, para além de poderem deixar de ter o dever da obediência partidária (fundamental em termos de actos de governação e não só) e criarem-se feudos regionais de algumas pessoas.
O Sistema eleitoral é a regra do jogo democrático e os cidadãos portugueses não foram tidos nem achados na sua escolha, tão pouco sabem como este funciona. É fundamental que se apresentem sistemas eleitorais adaptados ao nosso país (e não cópias de realidades de outros países) os quais devem ser discutidos publicamente e que, através de referendo, os nossos compatriotas escolham aquele que acharem mais justo, mais representativo dos seus interesses; no fundo, que escolham as regras do jogo democrático.

Por José António Monteiro Bourdain - Politólogo (Junho de 2007)
Pode consultar mais textos deste autor em http://www.jose-bourdain.com/